27.5.10

As mesmas nuvens

Por mais que eu faça, tente, me esforce e exploda, sempre fica a sensação de colocar água é um copinho furado: escorre, seca, some e eu fico com sede. É que por quilômetros - poucos quilômetros - pensei que o sonho fosse a parte branda da agressiva realidade.
Então, tá! Eu já deveria saber acordar, e se não sei, sou a única culpada pelo susto de abrir os olhos. Pobre e ingênua mortal: persisti no erro e colho a esperança que, todas as manhãs, rego com o que me resta de humor.
Voltei as ter olhos abertos, mas ainda me custa acreditar que permiti que eles se fechassem por tanto tempo. Grande ingenuidade é embarcar em nuvens sem passagem de volta ou certificado de garantia.
Então, tá! Bem no fundo sempre sei aonde a nuvem vai me levar. No final fico com a falsa e resignada certeza que definitivamente aprendi a manter os olhos abertos - até que vem outra nuvem e me convence, às vezes com poucas palavras, a mais uma viagem.


Whitey para Lucas se referindo ao Keith 
"Eu sei que você quer algumas respostas... 
Mas qual é a resposta certa? 
Porque não há resposta certa... 
Há apenas vidas... 
Apenas vidas" OTH

20.5.10

O monstro

Os dias com excesso de sol e as noites com falta de chuva é que fizeram do habitual uma incrível monstruosidade. O fato é que não há mais volta: é um monstro, agora. Cruel de tanto doce; injusto de tanta sensatez; gélido de tanto calor dissipado.
A lentidão é a única possibilidade que ele me deixa de fuga. Vem em minha busca e eu sei que agora há de ser a vez definitiva: ou abandono ou me deixo aprisionar de uma vez. Ele me agarra os pés; faz tentativas incessantes de retardar meus passos curtos e apressados, que ele não saiba, mas retrocedia mil passos cada vez que ele deixa seu perfume em mim. Monstro sofisticado. 
Eu corro num ritmo fragmentado: é difícil convencer alma e corpo de algo que nenhuma parte de si quer. A alma não sabe fugir. Audaciosa, enfrenta monstro-a-monstro, irradiando luz a cada vitória. Quando dou por mim, meus dias resumiram-se a um correr contínuo, que esconde seus reais motivos entre o cotidiano. Cada dia que encerra é uma etapa a menos para os joelhos, que ameaçam uma dor sincronizada, e para a mente que dá sinais de sonolência.
De repente, as bandeiras são hasteadas. Faz silêncio. É a vitória: a razão triunfa sem alardes. Vencemos a corrida. O monstro. Perfume. Olhos. Saudade. Fraqueza. Tudo ficou à km de distância. A tranquilidade é verde e tem cheiro de mãe e pai. Pronto. Podemos comemorar. A sala está vazia agora, tem bastante espaço para a comemoração. A razão, no entanto, não se deixa acometer. A sala está vazia e a pista de corrida também. Talvez eu não soubesse que toda a fuga terminaria no vazio.
Agora a sala está vazia. A paixão e o monstro se calaram em sintonia. A vitória da razão não curou nenhum machucado. Continuam aqui os arranhões que eu mesma fiz; não podemos culpar o monstro, ele nem mesmo existe. O fim é onipresente e ignorá-lo é opcional. As nuvens não fizeram nenhum sentido e de nada adiantou esperar que a vida o fizesse. O monstro ficou para traz.
Eu penso em encontrar um jeito paliativo. Quanto mais penso, mais descubro a eficácia de deixar estar. A dor só passa depois que dói, assim como o fantástico do encontro só passou depois que o vivemos até sua última gota, ou terá sido a falta de deixar-nos viver até a última gota que deu monstruosidade ao que era habitual?
Agora a sala está vazia. E eu também.

17.5.10

Patético!

“O amor nos torna patéticos, sexo é uma selva de epiléticos”. Inquestionável observação feita por Rita Lee na música Amor e Sexo.
Ontem estava eu no silêncio da madrugada, lendo algo banal, quando meu computador emite um alto e sonoro smaack, eu, claro, pulei da cadeira graças ao susto. Quando olhei pro cantinho da tela a plaquinha dele tinha subido, me recusei a acreditar que configurei meu Messenger pra tal pieguice. Como costumo não ouvir som no meu quarto, nunca tinha atentado a esse detalhe. Ri de mim mesma. Fiquei me perguntando em qual momento de surto psíquico, desordem ou embriaguez fiz aquilo. Não consegui chegar à conclusão alguma. Melhor assim. É por essas e por tantas outras que vejo o quanto progredi nas minhas tentativas de esquecimento. Mas ainda não estou satisfeita, afinal, ao escrever o que consegui descolorir da minha memória, tudo acaba voltando. Agora já enxergo cenas em preto e branco. A orquestra está no momento melancólico da música. Vou me esquecendo tanto que nem reconheço como eu era naqueles dias, imagine o outro como deve estar mudado. Quando as sensações, as imagens, os dizeres, as intenções vão se esfarelando, eu vou me aliviando. É como se a vida estivesse me dando uns goles de ar depois de uma corrida sem muito sentido.
A propósito, alguém sabe como altera-se os sons pessoais do Messenger?

12.5.10

É pedir demais?

Sou humana e repleta de defeitos. Hoje me falaram que gosto de julgar as pessoas, mas eu pergunto: o que na verdade seria julgar alguém? Dentro do fato vivido, fui talvez taxada de leviana pelo fato de dar minha opinião e fazer uma escolha. Minha vida é como uma empresa, e eu, claro, sou quem tomo as decisões que considero cabíveis a ela. Meu cérebro é o porteiro da tal empresa, e ele por sinal é um funcionário polivalente, vejam que  excepcional, ele sabe exatamente quem deve entrar e quem deve sair. Palmas!
Diante disso, não me apetece conviver com quem não sinto apreço, com pessoas que considero duvidosas. É bom saber onde piso, embora talvez eu nunca saiba realmente. 
Isso é julgar? Meu dicionário prova que não. Julgar vai além desse tipo de atitude. Isso chama-se seleção. O que tenho visto não me agrada, e cada vez me apaixono mais pela minha própria companhia, pelos meus filmes, e pelos poucos livros que tenho tido condições de ler. Tenho andado com a atual mais famosa obra de Elizabeth Gilbert na bolsa, ela tem sido minha fiel escudeira - obrigada, amiga, por estar sendo tão leal a mim.
Antes que pensem equivocadamente, eu não surtei, e está longe disso acontecer, mas tem sido mesmo complicado viver por aqui, eu tento ser o mais clara que posso com as pessoas que amo, mesmo que isso machuque-as. Reciprocidade é ouro pra mim. Então eu peço: machuuuuuquem-me, retribuam esse ardor da verdade, joguem em mim um turbilhão de artefatos bélicos, mas sejam sinceros, por favor!

5.5.10

Um lugarzinho pra me encostar

E eu que só queria um lugarzinho pra me encostar, desses aconchegantes e acolhedores como abraço com cheiro de banho. 
Me recolhe pra dentro, de onde quer que seja, e me conta de você, mesmo que não seja interessante; nem sempre podemos ser interessantes. Na maior parte do tempo nos resumimos a um ser de saco-cheio, cansado, querendo explodir, ou querendo um lugar pra encostar...
"O melhor está nas entrelinhas". Acredito nisso, daí engoli essas palavras e vomitei-as em forma de certeza. Certeza de que é assim, é simples. Não precisa ser de outro jeito, mas as definições gritam. Definições inteligentes, profundas, retóricas.
A vida dispensa a metafísica? Mas se o amor fosse comparado a coisas desse mundo teimoso trataria de definí-lo como algo bem pragmático, que é pra perder a graça e eu parar de querer definí-lo.
Logo eu, que sempre carrego grandes quantias, nunca me dão troco. E eu saio só com o sorriso amarelo e com uma mão na frente, e a outra atrás. Essa bobagem não satisfaz, não falo de coisa muito séria - não! Aquela coisa que põe aliança e apresenta para os tios - não!  Apresenta para a alma, que já fica tudo bem. Procuro doçura nos potes de açúcar. Adoçante não, obrigada. Com a acidez da vida a gente se entende Adoça daqui, adoça de lá E eu que só queria um lugarzinho pra me encostar.

3.5.10

Cada volta é um recomeço


Há quem diga que só amamos verdadeiramente uma vez na vida.
Há um tempo atrás eu costumava repetir que meu amor já tinha passado, e que eu jamais sentiria aquelas sensações bobas de quando se está apaixonada. Hoje eu tenho dúvidas quanto a isso. Estou pensando seriamente em recorrer ao Aurélio, talvez ele me ajude a dar nome ao que eu sentia outrora, mas precisamente naqueles meses em que ele era o meu primeiro pensamento matinal – pra mim não existe prova mais concreta de que se está veemente apaixonada do que essa, dormir pensando nele, acordar pensando nele. Mas estou cada dia mais certa que a vida é movimento constante, e a graça está nas singularidades de cada volta. E novas nuvens aparecem exatamente quando não esperamos por elas. Já estou com tênis de escalada, chocolate no bolso e mochila nas costas, pra cobrir qualquer esmorecimento. "A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida", já observou, bem antes de mim, Vinicius de Moraes. Eu concordo e recomeço - um recomeço que já se deu tantas vezes antes.