26.7.10

Pormenores Urbanos


Tudo o que ela dizia era:
- Casquinha um e cinquenta, cascão dois e trinta.
Apesar da fala escassa, Andréa tinha pensamentos desmedidos, que entravam em conflito entre si. Andréa gostava de imaginar como seria a vida das pessoas que por ali passavam.
A maquininha de sorvete na qual ela trabalhava ficava dentro de uma daquelas galerias antigas, bem estilo latino-americano, às vezes a essência do sorvete se misturava com o cheiro do fumo de corda e do óleo saturado do pastel. A vista era fixa nas suas seis horas de trabalho. Em pé ela via, a lojinha de quinquilharias "MADE IN TAIWAN" e seu Vendedor Sul-Coreano, amargo e de poucas palavras, vai ver que ele não falava muito por não saber o português, pensava Andréa. Além dele, havia a Mocinha do Açaí, essa era simpatia pura, porém, Andréa desconfiava daquela alegria toda e se irritava fácil quando a moça dizia "tá uma delícia", é claro que ela iria dizer que o açaí estava bom, Andréa caia no riso mental quando montava cenas em sua cabeça:
- Me vê um açaí na tigela?
-Sim, mas o sabor é horrível e lembra terra, sabe?
-Tudo bem, eu gosto do sabor.
-Mas não deveria, pois...
Para ela, a Moça do Açaí era alérgica ao fruto e odiava o sabor. Diante de cenas como essas, brotadas da grande imaginação de Andréa, ela passava seu tempo, confabulando sobre a vida de cada um que por ali passava: A Velha de Bengala, Os Meninos Que Corriam Pelo Corredor, A Do Vestido Curto, O Barbeiro Efeminado, A Pipoqueira, O Patrão. Todos personagens de uma vida(com trama, enredo, roteiro, conclusão e fim) alheia à sua.
Terminado seu expediente, ela caminhava pelos corredores úmidos da galeria até chegar na calçada onde seguia até o ponto de ônibus, a cada passo, Andréa percebia que ela era A Moça Do Sorvete Expresso, e que nada poderia imaginar sobre si própria, pois, conhecia sua realidade "Casquinha um e cinquenta, cascão dois e trinta", e assim se poupava de ter um sonho próprio. Naquele momento um sentimento de tristeza subiu-lhe à garganta, como se tivesse engasgado ao contrário, e por um instante ela tentou criar cenas - Cenas de Andréa, porém, quando caiu em si, estava no banco do ônibus e ao seu lado estava uma mulher com uma sacola gigante, então toda a tristeza desapareceu, como se alguém tivesse dado-lhe alguns tapas nas costas, e a partir dali, uma nova história surgia, a Da Mulher Da Sacola Gigante. E até a próxima parada, sua mente estaria ocupada.
Entender?
Vai ver que nem Andréa mesmo entendia, e nem se preocupava, pois, sua rua era bastante movimentada.

20.7.10

No picadeiro...

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A vida, pilantra que só ela, vez ou outra se encarrega de nos apresentar verdadeiras anedotas ambulantes. O palhaço arrogante costuma levar sua vidinha tentando buscar o porquê de sua arrogância. Ele discute sobre assunto que não tem conhecimento, fala asneiras, conta vantagens, faz cara de intelectual, ostenta-se com o pouco que conseguiu e não percebe a falta de motivos para ser assim, o que o torna ainda mais ridículo. Mas como sua arrogância não o permite enxergar seu próprio nariz (pra não dizer rabo), ele prossegue com críticas idiotas e sem sentido, talvez pra esquecer o fato de não ser aquilo que sempre idealizou. Com tudo isso, ele sempre torna-se alvo de piadas, e não poderia ser diferente, afinal é isso que ele é: um palhaço.

14.7.10

A borboleta que virou lagarta

Enquanto outras mentes se dedicam a números e formas racionais, meu universo paralelo se sobressai sobre vias-láctea e  planetas.
Sinto que os ponteiros não se importam em correr tanto, e eu, assim como eles, pouco me importo com isso. O peso das horas se tornou indolor, e eu quase não sinto culpa. Há meses atrás era verão, mas enquanto pisquei os olhos chegou o inverno - o veneno desta estação tem sido procurar em todas as cenas as respostas para vinte e dois anos de exaustiva atuação.
Tantas sombras e nenhuma diz a que veio. As horas de hoje são dissolvidas nos gelados goles de cerveja aos sábados, elevando à memória o espaço vazio ao lado e o vazio de dentro, triplicado pelo álcool e por esta mente que borbulha incertezas. E é sempre na manhã seguinte que o peso da noite passada surte efeito sobre carne e espírito.
Do outro lado da janela tudo parece, e creio que sempre parecerá mais fácil. Enquanto o ônibus roda, a cabeça gira e o mundo brinca de ciranda em mim. Admito que não importa o quão livre sejamos, há sempre uma bagagem a ser presa até nos mais finos calcanhares.
Respiro uma liberdade contida, vistoriada, calculada, pensada e amarelada de tanto medo. É chuva que não molha por completo, copos que só causam ressaca, causas que só causam peso.
Precisar pensar se dou mais um passo aos moinhos é pior do que pensar se eles deveras existem.

9.7.10

Sobre o escuro

Poucas coisas me dão mais segurança do que a escuridão, e digo que pra muitas pessoas também, até para as mais medrosas costuma fazer bem. No escuro as pessoas não são baixas ou altas demais e ninguém vê seus quilinhos a mais. No escuro ninguém vai comentar sobre seu cabelo bagunçado, sobre sua unha descascada ou sobre sua maquiagem borrada. 
No escuro você não conhece as pessoas, você as reconhece. Reconhece a voz, aquela voz que te dá paz e que será sempre a mesma, em qualquer lugar do mundo, independente de qualquer coisa. Reconhece o toque, porque seria impossível não reconhecer aquelas mãos. Reconhece um traço, muitas vezes despercebido se apenas visto com os olhos, mas incapaz de não ser reconhecido quando tocado, quando sentido.
No claro as pessoas reconhecem o que há de mais supérfluo. No escuro não. No escuro não somos nós quem reconhecemos, são nossas almas. E elas vêem além.

6.7.10

Rimar, ri, mar...


Passeando por aí eu comigo mesma e mais ninguém
Pra ficar tudo bem
Ofuscar os problemas e tornar as dores pequenas
Esquecer que os momentos se convertem em pensamentos
Eles são como bolinhas de metal pesado girando pra todo lado
Agora vê se te vira e agüenta a confusão que se faz
Na caixinha de massa cinzenta
Que faz pesar o que era leve
Me faltam músculos morais pra carregar tantos ais
Ah, que bobagem
Logo eu, que não confundo amor com miragem
Pergunto à nuvem negra quando é que o sol vai brilhar
E a mim mesma se minha razão vai voltar
"Quem não tem visão bate a cara contra o muro"

Sabe, eu nunca fui alguém de muitas certezas
Mas tem alguma coisa por trás desses olhos que me aflige
E é fulminante a vontade de estar em qualquer lugar
Que você lance o olhar
E já não mais cabe tanta aflição
Por não saber, por não ver, por temer
Que tantas cores se desbotem assim
Deixando tudo aqui dentro em absoluta revolução
Ah... certas imagens são capazes  de congestionar um coração.