28.4.10

Alô

Era ele. E que seja celebrada a tecnologia que permite o ensaio do mais inesperado alô. Amaldiçoada seja a mesma tecnologia que ensaia as mais inesperadas surpresas. Ainda que não fosse tamanha surpresa assim, mantinham os laços ilusórios que se firmam quando surge a cordial idéia da amizade depois do fim, embora falar em amizade torne mais insustentável o cenário em queda. O fato é que era ele.
O tempo longe fazia surgir, como se pode supor, a ansiedade. Uma ansiedade cujas raízes estão no medo. Ainda que o tempo compartilhado o tivesse solidificado no imaginário dela, o tempo longe, em que estiveram como linhas paralelas, fizera surgir a dúvida quanto a solidez do seu imaginário. Daí vinha a ansiedade, atrelada ao medo de que todos aqueles dias o tivessem feito esquecer. E na mais cruel das hipóteses, aquela que ultrapassa o esquecimento, temia que ele a tivesse colocado na sombria estante da indiferença. O celular, então, não tocaria e aquele dia perderia o que adquirira de especial, mas ele tocou freneticamente aquelas musiquinhas clichês, piscando feito um chafariz de cidade pequena em dia de festa. Ela estava em plena aula de Gestão. Respirou mais fundo. Olhou pra porta da sala e saiu correndo pra atender.
-
Alô! Como vai?
Assuntos fartos de cordialidade. Cordialidade e interesse desinteressado. Ela falou das novidades, acabou por priorizar as ruins. Ele contou algumas poucas coisas, afinal desde sempre era ela quem falava mais.
Naqueles tempos ele poderia completar as noites ouvindo-lhe falar sobre festas, metas e deslizes. Ele sentia-se terrivelmente bem pela desculpa realista que lhe permitia apenas ouvir o que estava dentro dos padrões daquela cordialidade, impulsionadora de ligações vagas. Ela, no entanto, poderia passas noites completas com ele.
Delicadamente, ele citou o caro preço das tarifas. Ela nunca havia atentado para o quanto tais tarifas poderiam ser caras. Ela entendeu, também delicadamente, a carestia dos números e dos fatos. Foi logo tratando de silenciar todo o acervo desesperado que, acumulado naqueles meses de espera, via-se livre.
Ele apressou-se em consumar a ligação. Não seria de nada cordial que se formasse aquele famoso silêncio feito apenas para que se ouça a respiração alheia. E junto com ela todo o sentimento que, por explicações cósmicas, ultrapassa a barreira dos fios e se faz explícito de lado a lado.
-
Parabéns. Felicidades. E uma vida completa.
- Obrigada. É bom ouvir você.
E o silencio precedido de uma rápida e premeditada despedida. Premeditada a fim de evitar maiores movimentos “incordiais”.
Desligaram, prometendo, sem nenhuma intenção de consumação, que se veriam em breve. E o silencio que se fez no corredor da universidade foi capaz de depreciar a algazarra daqueles que transitavam por ali. Lágrimas cordiais caíram dos seus olhos teimosas e infiéis. Pensava ela nas horas que passou ansiando pelo irreal e deixando o real esvair-se. Ao enaltecer o que era simples, tornou-o inatingível. O amor não deveria ser uma meta de auto-realização. Era simples demais para se tornar algo premeditado. Agora, sozinha, indo em direção a lanchonete, essa conclusão lhe parecia óbvia. Os olhos carregam a frente nuvens de poeira, colocadas com o propósito fatal de confundir o aprendizado. O tempo que se leva para minimizar os grãos de poeira imperceptíveis é o que determina as datas felizes. Assim, ela pegou um copo de água. Era seu aniversario e ela ainda receberia tantas outras ligações cordiais. Algumas delas ainda empoeiradas. As mais cruéis, tardiamente limpas.

22.4.10

vinteedoisdeabril

Eu quero viver mais uns cem anos, 
pra reparar os danos e um dia te encontrar por aí  ♪


Nascida em uma calma madrugada de abril de 1988, sempre foi uma criança feliz. Habituada desde cedo à calmaria da cidade onde nasceu, sabia que o mundo podia ser maior. Era inclinada às pessoas, muitas delas, mas não todas – tinha especial apreço pela vó Tica, uma deliciosa mistura de cabelos brancos e meiguice que cuidava dela em alguns fins de semana de festa de seus pais, embora não houvesse muito do que tomar conta, já que era uma menina sossegada, principalmente sem a mãe e o tão cuidadoso pai por perto para frear sua euforia. Nos outros momentos, vivia andando de patins ou rolando pelo chão em meio aos tantos livros que seu avô comprava pra presenteá-la. Tinha medo do escuro e da Rifocina que a mãe sempre usava pra curar os joelhos ralados no asfalto. Foi criada em família de comercial de margarina, desacostumou-se às severidades da vida. Como profetizaria anos mais tarde Lya Luft, não sabia se libertar do monstro metade infantil metade adulto que nos faz achar uma contradição que pessoas e paixões morram. Assim, já amarga um choro desacreditado só em pensar na inevitável morte de algum ente querido. Absurdo dos absurdos, de ex-aspirante à astronauta, quis tornar-se jornalista, mas agora é futura contadora, pena que não seja de histórias, é de números mesmo, logo ela que foi sempre tão letrista. Nasceu no interior do Rio Grande do Norte, comia pipoca na praça e caminhava junto a um santo de barro a cada semestre nas procissões das padroeiras da cidade. Uma cidade que não conhecia a malícia. Mas, fatalmente, cresceram: ela e a cidade. Muitos meses de abril se passaram, o céu mudou de cor, o medo da Rifocina continua, mas agora ela tem imensa adoração pelo escuro. E é, em linhas gerais, uma taurina fervorosa, feita inteiramente de medos e sonhos. Passou de criança gordinha e desconjuntada para a atual estrutura nem magra, nem obesa, mutável e explosiva. Atualmente, sorri com todos os dentes sempre que pode, procura a felicidade nas coisas mais simples, conheceu pessoas que pretende levar com ela para todo o sempre. É destemida, mete a cara naquilo que quer, não conhece limites, ri da própria desgraça (com exceção dos dias de surtos depressivos), mergulha de cabeça nos mares desconhecidos da vida, se entrega, impávida, às mais apavorantes crises existenciais. Inocente incurável, ainda vive na cidade que a viu crescer. Embora o desejo de liberdade grite constantemente, ela não se imagina longe daqueles que são seu alicerce. Sempre imergida no presente, vive em constate descompasso entre o que é e o que ainda será. Hoje, dia 22 de abril de 2010, fazem 22 anos que ela vive nesse mundo louco. Só por obstinação ou capricho, periga chegar até os 122, só para ver no que vai dar. Possivelmente, em sua lápide, se houver uma, o sutil lembrete: “aqui acampa Danielly Oliveira: estonteada com a peso da vida, morreu de tanto viver”.

21.4.10

Os defeitos de sempre

"Agora sei não mais reclama
Pois dores são incapazes
E pobres desses rapazes
Que tentam lhe fazer feliz (...)"
Linda Rosa - Maria Gadu


Meio termo nunca funcionou comigo. Meio amigo, meio amor, meio amante, meio sei-lá-o-quê. Todas as minhas relações eu mantenho-as nos extremos. Não tenho colegas, tenho amigas. Não sou afim de ninguém, sou perdidamente, incondicionalmente apaixonada. Ou amo, ou detesto. Gosto de coisas óbvias, claras. Não tenho tempo nem paciência pra entender o que dizem as entrelinhas. Ou quer, ou não quer. Ou sim, ou não. Não enrolo e nem faço ninguém esperar por mim, odeio murchar a esperança alheia. Sou sempre eu que espero pelas pessoas, que se entrega por inteiro, que dá tudo de si. A cara, o coração, a coragem. Sou sempre eu quem sobra no final, esperando por alguém que sabe-se lá quem é. Por alguém que não tenha amarras, que não me ofereça metades nem sobras. Alguém inteiro e que vai saber gostar de mim exatamente como sou. Alguém que compreenda que embora minha pose seja dura, meu coração é mole que só. Alguém que tome atitudes e iniciativas, que dê o pontapé inicial e não me deixe sobrando no final. E veja só, por fração de segundos eu quis que esse alguém fosse você, na verdade, eu já até te imaginava aqui em casa assistindo um bom filme, e rindo da maneira como eu me sento. Mas essa é mais uma das minhas péssimas manias: estar cem anos luz à frente. Talvez um dia apareça alguém que acabe com essa loucura, mas não foi você. Tirei o time de campo, saí do jogo, entreguei as cartas, você preferiu assim. Eu podia ter agido diferente, deveria ter colocado em prática todas aquelas teorias que aprendi por aí, mas o meu eu não deixa, eu não sei jogar assim. É mais confortável quando eu fico desse lado. Já decorei meu papel. Estou no meio do campo novamente, esperando que o juiz apite e o novo time entre em campo.

19.4.10

Desejos

20090116082228No próximo dia 22 completarei mais um ciclo, mas um aninho de vida, já me sinto com o direito de pedir ao papai do céu que meu coração continue inteiro, que minhas amizades permaneçam fortes, que minha família continue unida, que as músicas toquem, que os corações amem, que as mãos abracem, que os ouvidos escutem, que a bebida não esquente na mesa, que palavras não sejam ditas em vão, que os átomos continuem indivisíveis, que os homens criem nova consciência, que a camada de ozônio seja preservada, que as geleiras continuem onde estão, que o sistema solar ganhe mais personagens, que Nando Reis continue cantando, que as segundas-feiras sejam breves, que a felicidade não caiba em mim, que os olhares sejam profundos, que os sorrisos sejam verdadeiros, que novos temperos sejam inventados, que os jornais digam a verdade, que Heloisa Helena compre roupas, que a primavera mude as coisas, que a ternura seja muita, que as contas sejam poucas, que digamos mais "bom dia", que caminhos se cruzem, que bocas se encontrem, que a fome não seja muita, que a sensibilidade não seja pouca, que poesias emocionem, que a chuva caia (moderadamente), que o sol se ponha, que a beleza exista, que eu seja doce – sempre. Amém!


"Deus...põe teu olho amoroso sobre todos 
os que já tiveram um amor e de alguma forma insana 
esperam a volta dele: que os telefones toquem, 
que as cartas finalmente cheguem…"
 Caio Fernando Abreu

18.4.10



Por mais que tenhamos crescido, não crescemos o suficiente. Nossas virtudes amadurecem; nossos medos não mudam de idade.
Viver é um constrangimento: é vulnerabilidade. Amar é esperar a opinião distinta da nossa e suportá-la.
Eu secretamente tinha certeza de que era feio. Muito feio. Nunca respondi o que temia.
Ainda hoje quando me comparam a um extraterrestre, toda a minha oratória vai para o espaço. Fraquejo, peço ajuda, peço uma mão para atravessar a rua do desaforo. É assim mesmo, não ficarei bonito, decidi me estranhar tanto que ninguém mais seja capaz de identificar o que é mais insólito em mim. É tanta coisa irreverente que o observador demorará boas horas para me classificar.
Raspei minha cabeça, pinto as unhas da mão esquerda, uso roupas que são próprias para baladas, com lantejoulas e brilhantes, em plena luz do dia, saio com óculos enormes de gafanhoto e morcego. Não temo o escândalo de minha alegria.
Ao invés de esperar o pior, me critico. Não tento ser normal, exagerei as minhas diferenças.
Ainda não consigo me defender, em compensação minhas dores me ensinaram a defender os outros. A não permitir que a omissão e a indiferença prosperem em pensamento. Revezar sensibilidade e humor, nunca espumar de raiva e revidar a agressão. As palavras servem para desarmar. Briga é o fracasso das palavras – não interessa ao escritor.
Eu compreendo para me situar. Explico a ferida para cicatrizá-la. Antecipo-me às fraquezas das pessoas e elogio no momento certo e não em qualquer momento.

- Fabrício Carpinejar in “Confissão”

12.4.10

Sobe janelinha!

Você agora parece querer entrar em banda larga, mas com calma, com jeito...
Ando pensando em um jeito de te convencer, em uma forma de te mostrar que pode ser que a gente ainda se complete, ando tentando achar argumentos que me convençam de que você é verdadeiro quando diz que está no lugar errado, porque eu, definitivamente estou, e a culpa é sua. Quando sobe a sua "janela" não é o meu computador, mas meu pensamento que fica lento, meu coração acelerado e eu digito palavras-chave no oráculo virtual, buscando páginas que me mostrem "como conquistar um amor". No entanto, em toda e qualquer busca o resultado exato e só teu nome, a hora é o momento em que posso te sentir como antes. Desligo a TV, sento no PC, meu horário nobre é você. Procurei aquela letra, procurei aquele som, procurei aquele poema, algo para te dizer como você ainda me traz esse sentimento tão bom, ainda sem nome, mas que nem precisa ser chamado para chegar. Clica aqui, vem pra mim, deixa ser assim, a chance chega e a gente precisa aprender a dizer sim. O que vai ser? Não sei! Já tá tarde, preciso ir dormir. Mas vou sonhar contigo, vou te levar comigo, e vou contar as horas até digitar mais algumas palavras que possam, quem sabe, transformar caracteres em verdades, nosso riso novamente em uma rotina e fazer da tua vida novamente uma parte da minha. É só. 
"Seu Amor parece estar offline. As mensagens serão entregues quando este contato entrar".

9.4.10

Talvez faça sentido


Ele sempre foi razão e ouvidos. Ela, sempre coração e ouvidos. Pois é, o ouvido em comum. Falavam, ouviam. Ela sentiu que ele deveria fazer parte de sua vida assim que o viu. Já ele... Então que, num dia desses, ele se volta pra ela. Aquele que antes era razão, agora procurava o coração. O coração se misturou com razão e decidiu que não iria permitir que o cheiro dessas lembranças ficasse fraco na memória. Entre palavras, ele a escolheu pra ser sua. O pronome possessivo agora fazia sentindo na sua gramática. Ela acreditava que ele pertencia a ela, e essa crença era suficiente. Esta noite não irá perguntar por que ele voltou, por qual motivo bate à sua porta com olhos confusos, a verdade é que nem ele mesmo sabe. Mas ela sabe, sempre soube, era tudo confuso, mas agora tudo faz sentindo.





Sorriu, então. E ele sorriu de lá.

8.4.10

Não podia ser diferente

“Parece que o ano começou”. Foi essa a sensação que senti a quase dois meses atrás quando a minha ficha caiu, quando o verão passou, quando as coisas não saíram como eu planejei... Ao contrário do fim do carnaval de 2009, em 2010 ele terminou e eu não tinha boas estórias pra contar, ele levou exatamente aquilo que tinha me trago no ano anterior: um ser que sem esforço algum me tirou do eixo por meses, aquele por quem eu esperei o ano inteiro pra vê-lo novamente, mas, como boa imediatista que sou, antecipei as coisas, ele antecipou, nós antecipamos, nós queríamos, era recíproco, eu sei que era! Mas como eu era a protagonista da história, o fim teria chegar bem antes da minha vontade cessar.
Quando vi tudo indo terra abaixo, perguntas dominavam meus pensamentos; o que eu fiz de errado? Será que se eu tivesse agido de tal forma teria sido melhor? Será que me precipitei? (e blábláblá)... Hoje vejo que fiz exatamente tudo que deveria ter feito, eu estava exatamente onde eu deveria estar, não criei personagem, fui eu do início ao fim, e como disse a Tati Bernardi bem antes de mim, ‘fui de verdade o tempo todo, e contra a verdade não há quem possa’.
E, apesar de tudo, de nada me arrependo, faria tudo exatamente igual mesmo já sabendo como seria o fim. Só pelo fato de ter me estremecido, já me valeu!

1.4.10

Quebra-cabeças


"Gosto de armar quebra-cabeças. Nome errado. Eles não quebram a minha cabeça. Ao contrário, põem a minha cabeça no lugar. Nome mais apropriado deveria ser “junta-cabeças”. Todas as atividades que implicam arrumar, armar, juntar, montar, tecer têm uma função terapêutica. Elas ativam processos organizatórios das emoções e das idéias. Juntando as peças do meu junta-cabeças sobre a mesa vou juntando as peças do meu junta-cabeças interno."
Rubem Alves in Ostra Feliz Não Faz Pérola

Comer, Rezar, Amar


- (…) E o amor é sempre complicado. Mas, mesmo assim, os seres humanos precisam se amar, querida. A gente precisa ter o coração partido algumas vezes. Isso é um bom sinal, ter o coração partido. Quer dizer que a gente tentou alguma coisa.
- Meu coração se partiu com tanta força da última vez – falei – que ainda está doendo. Não é uma loucura? Ainda estar com o coração partido quase dois anos depois do fim de uma história de amor?
- Querida, sou do sul do Brasil. Sou capaz de ficar com o coração partido durante dez anos por causa de um mulher que nem cheguei a beijar.



Elizabeth Gilbert in Comer, Rezar, Amar