10.6.10

Sobre o tempo

Há muito tempo não penso nele. Talvez esse seja o motivo dele vir caindo sobre mim com tamanha brutalidade. O fato é que ele vem comigo para onde eu vou, não consigo driblar o tempo. Sacana. Recorro às cinco letras que o formam para me queixar. 
O tempo senta-se a me olhar enquanto me arrasta por suas vontades, sempre exibindo seus dentes largos de satisfação. Mas não o culpo, é assim desde o seu início, e é assim com todas as pessoas. Já o caluniaram por todos os cantos. Souberam dignar-lhe ingratidão quando, rápido, acelerava os seus ponteiros. Oportunava-lhe o ofício: adiava-se o passo para agradar a quem lamentava o seu afã, nutria a tristeza dos que, mergulhados em alguma infelicidade, admiravam apenas a passagem das horas. Mas acontece que o tempo, tolo por tantas vezes, notou que precisava apenas prosseguir, sem medir as consequências. Talvez aí tenha nascido a sua arrogância: não por gostar de assumir tanta honra, mas por saber o seu lugar no mundo. 
O tempo passou a bastar-se. Desliza em seus passos sorrateiros por onde quer direcionar os trilhos do mundo, e nada abole o seu passeio. Decide direções, faz escolhas, amortece dores e desbota cores. Arquiteta sesações, eterniza sentimentos, possibilita esquecimentos. Faz brotar inovações, apaga vanguardas, esmigalha o que fica pra trás. Condiciona os sabores, a direção dos ventos e a duração dos amores. Inspira, mas remete a chichês: o tempo não pára. É por causa dele que existe o aprimoramento e o requinte; a evolução e o retardamento; o declínio, a escassez, a falência múltipla dos órgãos; o ir e a possibilidade de voltar; o espaço, a probabilidade: a estúpida alternativa de deixarmos pra depois. 
Cada vez mais, tem as faces coradas quando mencionam seu nome por aí. Artigo de luxo da atualidade, ele ajuda, inconscientemente, a erguer os faustos de um mundo que até para respirar, o faz apressado. O tempo é irritantemente contínuo e misteriosamente incerto. Já lhe apontaram o dedo na cara aqueles que recriminam a sua implacabilidade. Outros, não sem nenhuma ironia, chamam-lhe “compositor de destinos”, “tambor de todos os ritmos”. Alguns, mais sutis, tratam-no intimamente de “mano velho”. Bobagem. Ele não busca companhia, deseja apenas ser tempo. Segue enérgico, a passos firmes, sem perceber as distorções que faz – ou deixa de fazer. Mal sabe que, por diversas vezes, o seu avanço contínuo e fugaz não evitou que permanecessem ilesos alguns aspectos da humanidade; não somente os cantos insólitos, como também os mais evidentes e gritantes: todos imunes às variações que o ele é habilitado a fazer. 
O mundo não se decide em relação ao tempo, observa o seu próprio percurso e consegue sair intacto às suas manifestações. Daí vem o porquê de o que é moderno ou avançado nem sempre estar aliado às artimanhas temporais. Cheio de astúcia, esse tempo. Agora mesmo ele ri por mim um riso tímido e quieto por ter passado impunemente enquanto tirava-me horas irreversíveis, fazendo-me pensar nele. Seu conceito é o retrato primoroso da complexidade. Mas talvez seja só porque eu há muito não pensava nele. E talvez também por isso, ele caia sobre mim com tamanha brutalidade, rindo um riso tímido e quieto.

4 comentários:

  1. Vai ver Dani,
    o segredo é virar pro tempo e cantar:
    "Tempo, tempo mano velho.."




    Se você não pode vencê-los, junte-se a eles!

    Beeeiiijos.

    ResponderExcluir
  2. P.S:
    Como você conseguiu esse layout lindo?

    ResponderExcluir
  3. "Daí vem o porquê de o que é moderno ou avançado nem sempre estar aliado às artimanhas temporais. Cheio de astúcia, esse tempo. Agora mesmo ele ri por mim um riso tímido e quieto por ter passado impunemente enquanto tirava-me horas irreversíveis, fazendo-me pensar nele."

    uau guria, muuuuuito lindo! :o

    ResponderExcluir
  4. Obrigada...
    pelas gentilezas deixadas
    por você lá no meu blog...
    Depois de longa ausência...
    voltei...
    Beijos floridos e belos...
    Leca

    ResponderExcluir

comentaram