20.5.10

O monstro

Os dias com excesso de sol e as noites com falta de chuva é que fizeram do habitual uma incrível monstruosidade. O fato é que não há mais volta: é um monstro, agora. Cruel de tanto doce; injusto de tanta sensatez; gélido de tanto calor dissipado.
A lentidão é a única possibilidade que ele me deixa de fuga. Vem em minha busca e eu sei que agora há de ser a vez definitiva: ou abandono ou me deixo aprisionar de uma vez. Ele me agarra os pés; faz tentativas incessantes de retardar meus passos curtos e apressados, que ele não saiba, mas retrocedia mil passos cada vez que ele deixa seu perfume em mim. Monstro sofisticado. 
Eu corro num ritmo fragmentado: é difícil convencer alma e corpo de algo que nenhuma parte de si quer. A alma não sabe fugir. Audaciosa, enfrenta monstro-a-monstro, irradiando luz a cada vitória. Quando dou por mim, meus dias resumiram-se a um correr contínuo, que esconde seus reais motivos entre o cotidiano. Cada dia que encerra é uma etapa a menos para os joelhos, que ameaçam uma dor sincronizada, e para a mente que dá sinais de sonolência.
De repente, as bandeiras são hasteadas. Faz silêncio. É a vitória: a razão triunfa sem alardes. Vencemos a corrida. O monstro. Perfume. Olhos. Saudade. Fraqueza. Tudo ficou à km de distância. A tranquilidade é verde e tem cheiro de mãe e pai. Pronto. Podemos comemorar. A sala está vazia agora, tem bastante espaço para a comemoração. A razão, no entanto, não se deixa acometer. A sala está vazia e a pista de corrida também. Talvez eu não soubesse que toda a fuga terminaria no vazio.
Agora a sala está vazia. A paixão e o monstro se calaram em sintonia. A vitória da razão não curou nenhum machucado. Continuam aqui os arranhões que eu mesma fiz; não podemos culpar o monstro, ele nem mesmo existe. O fim é onipresente e ignorá-lo é opcional. As nuvens não fizeram nenhum sentido e de nada adiantou esperar que a vida o fizesse. O monstro ficou para traz.
Eu penso em encontrar um jeito paliativo. Quanto mais penso, mais descubro a eficácia de deixar estar. A dor só passa depois que dói, assim como o fantástico do encontro só passou depois que o vivemos até sua última gota, ou terá sido a falta de deixar-nos viver até a última gota que deu monstruosidade ao que era habitual?
Agora a sala está vazia. E eu também.

2 comentários:

  1. "Agora a sala está vazia. E eu também."
    E eu também!
    Me identifiquei, parabéns mais uma vez, é tudo tão lindo aqui.
    Beijão!

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  2. E são esses monstros que vencemos, mas sempre acabamos com algo faltando...
    tem selo para você no meu blog, beijos.

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